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Júlia Rocha

Parece que há um exército inteiro contra a amamentação

ECOA

20/12/2019 12h16

Faça aí uma rápida revisão. Abuse da memória e tente lembrar de algum remédio, algum alimento, um recurso médico, farmacêutico, um comprimido ou um xarope qualquer, enfim, me diga uma coisa só, qualquer coisa, mais potente e positiva para uma criança que o leite materno.

Algo que faça a criança desenvolver segurança emocional, que aumente a sua inteligência, e que de quebra reduza o risco de desenvolvimento de asma, pneumonia, otites, diarreia, obesidade, linfoma, doenças alérgicas , doenças inflamatórias intestinais.

Some a isso os benefícios para a mãe que amamenta. Eles vão desde a redução do risco de desenvolver câncer de mama, de ovário e de endométrio, até a redução do sangramento pós parto e do risco de desenvolver osteoporose.

Você não se lembrou de nada por que, de fato, não há nada que se compare ao aleitamento materno. Nada é tão eficiente em tantos aspectos como este líquido branco que ainda jorra das minhas mamas, 2 anos e 9 meses depois do nascimento da minha filha.

É bom lembrar que quanto mais tempo se mama, maiores os benefícios, mas parece haver um exército bem treinado, em múltiplas frentes, sempre pronto a minar, uma a uma, as mulheres que desejam amamentar.

Começando por uma absurda licença maternidade de 4 meses, uma criminosa licença paternidade de 5 dias, um recorrente despreparo da maior parte dos trabalhadores dos centros de saúde e até das maternidades para a adequada orientação das mulheres que desejam amamentar e para ajudá-las nas dificuldades típicas do início do aleitamento.

Para as famílias que conseguem heroicamente engrenar, sobram ofertas de soluções mágicas para o cansaço dos pais para o choro, diga-se de passagem, absolutamente normal do bebê, através de mamadeiras e chupetas que acabam por provocar desmames muito precoces.

Incontáveis vezes, presenciei profissionais da saúde questionando mães que amamentavam seus filhos de 15, 18 meses, perguntando a elas quando fariam o desmame.

Em cada esquina, há um moralista de plantão para dizer que não se deve amamentar em público, que é obsceno, que a mãe faz para se mostrar… a lista de impropérios é extensa, mas nenhum desses absurdos passa perto do disparate que é alguém formado para promover saúde desestimular uma mãe que quer amamentar pelo simples motivo de que a criança não está ganhando o peso adequado, ou prescrever uma fórmula para dar a noite, evitando assim o cansaço da mãe.

De um lado, profissionais se desdobrando para que aquela criança tenha garantido seu direito de receber os benefício do aleitamento. Do outro, ao primeiro sinal de qualquer mínima dificuldade, a receita da fórmula para ser dada na mamadeira.

Uma perda irreparável de incontáveis benefícios à saúde do bebê acontece cada vez que uma mãe exausta desiste do aleitamento. Muitas delas, em dificuldades, não encontram apoio e orientações adequadas.

Mais uma vez, o que deveria ser direito torna-se privilégio. As mães que podem pagar por assistência qualificada e que terão empregos formais que garantem licenças maiores amamentarão seus filhos que serão assim mais inteligentes, mais saudáveis e que seguirão perpetuando seus privilégios.

Cada mulher pobre que encontra apoio em suas equipes nos postos de saúde espalhadas pelo país e consegue amamentar torna-se uma revolução.

Sobre a autora

Mineira de Belo Horizonte, Júlia Rocha nasceu em uma família de músicos e médicos e decidiu conciliar as duas paixões também em sua vida. Tornou-se médica com a mesma naturalidade com que se tornou cantora. Júlia se apresenta como "especialista em gente, médica de família e comunidade".

Sobre o blog

Um espaço para refletir sobre a importância da humanização do atendimento médico e sobre questões da vida em geral, afinal, a saúde vai muito além de diagnósticos e receituário